A confusão que se faz entre clubes de futebol no Brasil com empresas é de uma tansice sem precedentes, que se fosse ingenuidade eu relevaria. É óbvio que por trás desse discurso há uma tentativa de se abrir campo de trabalho para marqueteiros e administradores de empresas medíocres e desempregados. “Vamos fazer força para que o lasseiz-faire liberal vingue por aqui, pra ver se sobra uma vaguinha pra gente”.
Ora, um clube de futebol, para se manter atuante, deve organizar seu departamento de futebol. É para isso que ele existe. O seu fim precípuo é proporcionar a prática desse esporte. Quando se incorporam em seus meandros as regras de mercado, um dia caem ou o clube ou o mercado.
Uma empresa, de qualquer ordem, seja pública ou privada, tem a característica de produzir bens e/ou serviços. Isso é básico. Qualquer vivente que tenha frequentado um banco de escola sabe disso. No sistema capitalista, as empresas de cunho privado, têm como decorrência a geração de lucro, um ganho de capital em cima do processo de produção. Levar essa dinâmica para o futebol é destruir o espírito do esporte, o que resulta em frustrações e desilusões. E trazer o ambiente do futebol, malemolente, preguiçoso e impertinente é falir uma empresa.
O futebol é um esporte que movimenta muita coisa das atividades humanas. Se alguém prestar atenção num evento e postar-se diante de um estádio antes de uma partida, perceberá a compulsão em se multiplicar dinheiro. Parece que todo mundo ganha (ou quer ganhar) algum trocado com o futebol. E os investimentos, sejam eles de quaisquer tipos, requerem o ganho extra, o lucro. Empresas de transporte, lojas de produtos do clube, seguradoras, padarias, confeitarias, bares, restaurantes, barraquinhas de lanches rápidos, quiosques, vendedores avulsos, camelôs, até cambistas, todos querem “tirar algum” no âmbito do futebol. Até o torcedor quer levar a sua “vantagem”, cuja maior alegria é quando a partida é realizada com portões abertos, ou quando o clube faz saldão de ingressos. O próprio clube assume sua parte de satisfação, quando mercantiliza o acesso às suas dependências nas diversas formas de se fazer dinheiro, sendo a principal o aluguel de cadeiras para os sócios-assistentes desaguarem suas mazelas existenciais.
A tendência é a elitização dos estádios e vizinhanças, obviamente. Um produto bom, que quanto mais bem oferecido, melhor será a sua remuneração, é o mote de dez entre dez empresas capitalistas. E essa máxima está incorporada na realidade do desporto top nos tempos modernos. Se há os gastos para melhorar a oferta do produto, este gasto deve ser remunerado.
É assim que se montam times milionários, ou com jogadores celebridades. Valoriza-se o produto. E este valor deve trazer um retorno, de tal sorte que nos finais de temporada haja o bem aceitado lucro, com a venda de grande parte do pacote, ou elenco, capitalizando a campanha. Em volta dessa situação, o produto é levado ao mercado pelas redes de TV, com valor agregado o suficiente para pagar toda a carta oferecida e ainda sobrar um tequinho aos investidores. E é assim que se “empresariou” o futebol, uma máquina de fazer dinheiro.
Ocorre que o futebol mexe com algo humano que é incontrolável. Se as empresas, de maneira geral, capitalizam seus custos e readequam seus lucros pelo controle da massa ignara de assalariados, verdadeiros gados de manobra envolvidos na mais-valia, no futebol não se consegue equilibrar algo insano e perfeitamente humano: a emoção.
É este sentimento besta e louvável que move rebeliões, acirra os ânimos, promove quebras de rotina e transforma outrora lesos conformados em monstros da empolgação: o torcedor. É ele que sai do marasmo e dita as regras do espetáculo. Ele não se contenta com pouco e quer sempre mais. Não quer participar apenas, mas ser protagonista. Não se vê controlado, mas observador e instigante. Chora, ri, aplaude, vaia, xinga e se diverte subvertendo a ordem natural do empresariado fleumático e ditador.
É por isso que transformar o futebol em empresa é uma atividade de alto risco. Pior que prospectar petróleo no alto do Himalaia. A resistência a isso já se faz sentir inclusive nos centros mais bem administrados da futibolidade mundial, a Premier League, da Inglaterra. Já há um movimento, que começou pelos torcedores do Manchester United Football Club, de propriedade do norte-americano Malcolm Glazer, de se rever essa mercantilização da liga e do próprio futebol. Querem, os chorões e emotivos fãs dos reds devils, a saída de Glazer e que o clube volte ao status de clube de futebol.
Questionavam se vale à pena para os torcedores ter uma sala cheia de troféus ou um clube que lhes pertença. Que coisinha meiga! Ainda na Inglaterra outras formas de resistência ao futebol-negócio têm surgido. Uma deles conseguiu impedir, através da associação entre os torcedores, que o Crystal Palace, outro histórico clube inglês fosse também privatizado.
Tomara, e eu torço para isso, que o futebol volte a ser a alegria do povo. Que cheguemos a um estádio com o intuito de torcer para ao nosso time, que os jogadores joguem suando a nossa camisa. Chega de sermos comandados por marqueteiros e administradores postiços. Os torcedores têm que ser atores e não financiadores de carreiras de superstars.
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