Quinta-essência - O Conto do João Esganado

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O leitor do blog, George Wagner, mandou um conto muito interessante, que vai ao encontro do espírito do blog. Espero que apreciem.


JOÃO ESGANADO

Em uma pequena vila do interior, havia um homem chamado João Esganado. Trabalhava em serviço pesado, braçal, carregando caminhões de madeira sem parar – a não ser nas horas sagradas de refeição! Nessas oportunidades, João Esganado comia por três, quatro pessoas, pedindo sempre uma sobremesa. Na madeireira, todos almoçavam a boa distância de João Esganado, pois não bastasse o seu prato de montanha, ainda sobrava espaço para espiar o prato dos colegas. O homem era incrível.

Certa vez, um vizinho de João Esganado, chamado Adão Roberge, resolveu matar um porco que já estava na engorda há longa data. A idéia era fazer uma grande feijoada no domingo seguinte, com direito a torresmo e tudo o mais. Como vários eram os convidados, o vizinho obrigou-se a chamar João Esganado, por questão de educação. A bem da verdade, se não fosse convidado, João Esganado daria um jeito de participar daquele banquete. Seus olhos brilhavam com uma semana de antecedência. A feijoada de Adão Roberge foi o assunto de João Esganado com os companheiros de lida, que já não agüentavam mais aquela conversa. O homem era incrível.

Pois chegou o dia da feijoada, marcada para o meio-dia. João Esganado, que na véspera não dormira – e também não jantara, chegou à casa do vizinho às 10h da manhã, perguntando a este se havia algum aperitivo para “forrar o estômago”. O vizinho, despreparado, ofereceu uma laranja ao João Esganado, mas este ficou ofendido! “Laranja eu como em casa!!”, gritou João. O homem era incrível.

O esfomeado, não vendo muita cortesia por parte do vizinho, acabou por encontrar um tacho cheio de torresmos, que bem lhe serviu para abrir o apetite. A cozinheira protestava, mas não ousava chegar perto de João Esganado, tamanha a fúria deste na “cumbuca” dos torresmos. Mais parecia um cachorro faminto roendo o último osso do planeta. E era um olho no tacho de torresmo e outro na panela da feijoada, para ver se não lhe logravam!

Chegou, finalmente, o momento tão esperado! Adão Roberge chamou a todos para o banquete, lembrando de fazer uma oração antes de tudo. Tal oração quase não saiu, pois o danado do João Esganado a interrompera, pedindo para rezar “só o comecinho”. O homem era mesmo incrível.

Sentaram-se à mesa.

João Esganado, que perdia os modos por um prato de comida, babava perto da panela de feijoada. Seus olhos estavam saltados. Naquele momento, todos eram concorrentes do impaciente Esganado. Mais parecia uma vaca com cria nova. Ai de quem chegasse perto da panela! Só não foi o primeiro a se servir porque o povo ameaçou-o prender junto aos porcos para conhecer a “fábrica” de Adão Roberge. Não foi o primeiro, mas foi o segundo a experimentar a saborosa feijoada. Não parou mais de comer!

João Esganado, naquele dia, bateu seu próprio recorde. Comeu por cinco adultos e, cara-de-pau, pediu uma sobremesa. Já eram 4h da tarde. Naquela altura, o homem não mais falava direito, apenas resmungava e fazia gestos. Por isso mesmo é que a sobremesa não chegou a tempo...

Entre uma e outra garfada, João ficou branco igual a canela de inglês. Começou a passar mal, de tanto que havia comido. O coitado caiu estrebuchado, rolando pelo quintal de Adão Roberge como se fosse uma tora de pinheiro, fazendo grande estrondo. O homem só foi parar quando um valo lhe serviu de cama, ficando lá entalado com a barrigona para cima. Por pouco não atropelou o cachorro de Adão Roberge, de nome Baíto Roberge!

Naquela altura, a correria do povo era grande, pois Esganado começou a tremer e a urrar. Não podia levantar do valo e, em último esforço, desmaiou.

A mulherada fez uma gritaria tremenda. Realmente, parecia que João Esganado havia morrido, mas o homem ainda respirava. Não havia médico na localidade e o hospital era distante. A situação era crítica. A única saída seria chamar um curandeiro que morava na localidade vizinha, também distante, e assim foi feito.

Nesse período, João continuava desmaiado e o povaréu se agitava. Dentre os curiosos que rodeavam o doente, havia um agricultor mui espirituoso, conhecido por Zé Cadela. Gritou com a cozinheira para trazer um chá ao João Esganado. Naquela altura, tudo era válido para salvar o pobre homem.

Dito e feito. Apressou-se a velha senhora com o chá, tendo Zé Cadela baixado a xícara nas narinas do enfermo, que ainda estava como morto. Nesse momento, quase que por encanto, João Esganado acordou e abriu bem os olhos! Foi aquele rebuliço, um falatório grande, vivas e palmas para o Zé Cadela e o chá milagroso!

Chegaram a esquecer do João Esganado, tamanha a festa, até que Zé Cadela percebeu a tentativa do doente em falar algo. Fez-se o silêncio, deu-se a palavra ao mesmo e este, bem baixinho, repetiu:

- Cháaaaaa, cháaaaaaaaa, cháaaaaaa, quero mais cháaaa..

Buscaram mais uma xícara de chá e entregaram-na ao João. Nesse momento, em grande esforço, João Esganado olhou diretamente para a cozinheira e depois para a mesa, perguntando:

- Por acaso não teria uma bolachinha para acompanhar o chá?

O homem era incrível!

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Por George Wagner

Os nomes e apelidos são fictícios.

Dezembro de 2008.

3 comentários:

  1. Gilberto disse...:

    Uma bolachinha ... tás de brincadeira, rsrsrs.
    Ótimo conto do George.
    Abs. amigo!

  1. George disse...:

    Rsrs, espero que a turma tenha paciência para ler até o fim.
    Abraços!

  1. Meus caros, existem tantos personagens espalhados por aí, que dava pra fazer diversos contos. É só escolher.

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