Dizem que uma piada só é boa e interessante quando contada pela primeira vez. Aliás, os teóricos do comportamento asseguram que o inusitado, o incomum nos causam surpresas, e uma das reações é o riso. Dependendo da intensidade, há a gargalhada. Os hábitos e costumes se acomodam às condições do ambiente. Por isso, a mesma piada contada à enésima vez se torna chata e enfadonha. Perde o riso e se torna ridícula.
Quando aquela famosa torcida do Avaí entoou pela primeira vez aquele seu famoso grito de guerra, aquele que diz que a torcida adversária deve chupar não-sei-o-que e tomar não-sei-aonde, todo mundo achou graça. “esses caras, realmente, são demais”.
Passados alguns anos, o discurso foi às vias de fato e já não se quer mais dizer que o sujeito adversário chupe ou tome, mas queremos que ele prove isso na prática. De uma torcida amistosa do passado transformamo-nos em hordas. Em bestiais seguidores de torcida e não mais de um time, como os camisas negras de Mussolini. Está na História, pra quem quiser ler.
O que eu fico curioso para saber é o quanto dessa ofensa me atinge. Sim, porque do outro lado também há uma saraivada de carinhos e delicadezas, tantas quanto forem necessárias. Segue, integralmente, aquela lei da Física, que fala da reação em mesma intensidade e sentido contrário. A Lei de Talião. A Lei dos Reacionários. A lei do olho por olho, dente por dente.
Estádio de futebol é onde o cidadão extravasa todas as suas mazelas e favelamentos existenciais. E não vou falar de cidadão comum, pois há muito figurão bem montado na grana que deságua suas impotências comportamentais em palavrões e ofensas. Alguns, inclusive, com atitudes de corar penitenciárias. E você acha que só homens fazem isso? Já vi senhoras, mulheres que no lar são recatadas e posam de simpáticas militantes da boa vontade, esbravejando como Madalenas nem muito assim arrependidas.
A pocilga da condição humana mais baixa e profunda tem como abrigo um estádio. É numa partida de futebol que nossos sentimentos mais primitivos e bárbaros se expõem. E a gente adora isso ali. É divertido! Não existe coisa mais democrática. E nem espaço para o propalado politicamente correto há num estádio de futebol. Cavalheirismos e respeito ao semelhante? Nem pensar. Ainda mais se ostentar cores diferentes.
“estás pensado que estás aonde, cara, isso aqui é um campo de futebol”, “quer conforto? Assista ao jogo no PFC”. “vamos quebrar esta porra toda”. “essa merda vai queimar até o fim”. “tá olhando o que, o, babaca”. E segue a profusão de bem-quereres e gentilezas. “não pega nada, é tão bonitinho!”
Na Europa, torcedores italianos imitam macacos toda a vez que jogadores negros entram em campo. Na Alemanha, há jogos onde se vê faixas escorraçando e ameaçando de morte jogadores de outras nacionalidades, principalmente latinos e africanos. Na Inglaterra, grupos de bandidos eram pagados por facções políticas para invadir e quebrar cidades onde o time deles iria jogar. Até o dia em que a Inglaterra foi banida do futebol por esses singelos “atos de civilidade”.
Recentemente, numa partida entre Brasil e Escócia, foi atirada uma casca de banana aos pés do jogador Neymar. Alguns locais disseram que foi um brasileiro mal educado, outros de que se tratava de um alemão. E ainda obrigaram Neymar a pedir desculpas por ter chamado aquilo de ato racista.
E a gente chama a todos eles de preconceituosos.
Um psicopata que trucida crianças em uma escola, não difere em nada daquele infeliz que arremessa pedras para dentro de um estádio de futebol, ou mesmo um abobado que atira um reles sinalizador para dentro de um gramado na intenção de atingir um jogador de futebol adversário. O objetivo é um só: causar dor e sofrimento. Podemos contabilizar os danos, os efeitos e consequência, mas a motivação é a mesma: desprezo pela condição humana. Desprezo pela vida.
O que mais me incomoda é haver gente dita "de bem" a contemporizar, a achar lógicas e razões para todos estes atos. A achar que jovens não têm controle. Vivemos num mundo civilizado, mas lamentavelmente estamos perdendo para a barbárie.
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