A preguiça

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sabe aqueles dias que não dá vontade de fazer nada? Então. Era um daqueles dias. O sujeito acordou tarde. Achou que o corpo estava meio estranho e foi tomar um banho gelado. Não adiantou muita coisa. Nem bem saiu do chuveiro, desandou a suar. Sentiu um formigamento nos ombros. Espreguiçou-se. Foi até a sala, ligou o ventilador e desabou no sofá. Pensou em puxar uma almofada para se deitar, mas ela estava do outro lado do cômodo, a uma distância praticamente intransponível. Ficou ali, sentado mesmo, olhando para a televisão desligada.

Passadas algumas horas, uma dorzinha na batata da perna começou a incomodar. Parecia ser um início de cãibra. Previu que, se uma cãibra o atacasse agora, ia ser obrigado a tomar alguma atitude. Esticar a perna. Se levantar. Sei lá. No entanto, para seu alívio, a dor foi se dissipando até desaparecer por completo.

Já não sentia dor alguma. Já não sentia, aliás, nem mesmo a própria perna, que devia estar adormecida pela pressão no enervamento do membro e pela falta de circulação. Logo depois, o mesmo processo se repetiu com a outra perna, e ele constatou, um pouco surpreso, que já não sentia toda a parte inferior de seu corpo.

A sensação era extremamente agradável. Mais algumas horas se passaram, e aquela dormência havia se espalhado das pernas para o tronco, do tronco para os braços, dos braços para o pescoço do pescoço para a cabeça, e ele quase sorriu quando teve a impressão de que até mesmo seus cabelos pareciam estar mais relaxados. Até aquela vontadezinha de ir ao banheiro havia passado. Parecia que a bexiga e os intestinos estavam vazios. E também não sentia fome.

No outro dia pela manhã, como continuasse na mesma posição, percebeu que um pouco de poeira havia aparecido em seu colo. Constatou também que pequenos insetos passaram a pousar sobre ele, tratando-o como se fosse apenas mais um móvel da casa. No começo da tarde, até mesmo algumas pequenas teias de aranha se formaram debaixo de seus braços e, no fim da noite, um ou dois mosquitos já estavam prisioneiros da engenhosa armadilha.

A formação do mofo já foi mais demorada. Precisaram se passar cerca de duas ou três semanas para que começasse a perceber uma pequena transformação na coloração de sua pele. A princípio pensou se tratar de uma peça de sua imaginação mas, transcorrido um mês, já não havia dúvidas que uma fina película esverdeada estava cobrindo, vagarosamente, todo o seu corpo.

Quando um grupo de pesquisadores o descobriu, muitos anos depois, estava praticamente irreconhecível. Lesmas, caramujos, lagartixas, formigas e até mesmo um pequeno esquilo viviam em perfeita simbiose com aquele amontoado de musgos, braços, samambaias, pernas, orquídeas e cabelos. Havia um cheiro de folhas velhas largadas na floresta.

Depois de uma pequena busca, descobriram, assombrados, um par de olhos ainda vivos e brilhantes em meio àquela espessa folhagem. Sem saber direito que atitude tomar, um dos cientistas perguntou se poderia ajudar em alguma coisa. A resposta veio através de uma voz rouca e sincopada:

- Será que o senhor não podia me jogar aquela almofada ali, faz favor? Ah! E o último que sair não esqueça de apagar a luz...

2 comentários:

  1. George disse...:

    Tenho um conto parecido, chama-se "João Esganado". Se quiser, mando por e-mail.
    Abraço.

  1. George,manda que eu publico. O i-1/2 é aguiar1961@gmail.com.
    Abraços

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